Valério, Meio do Céu (Desmonta Discos/Alavanca)

Por José Julio do Espirito Santo

É do meio de céu que se pode vislumbrar o destino. É lá de cima, quando marca meio-dia, quando o Sol está a pino, que a rota certa é traçada.

Foi numa viagem ao interior que Valério sentiu como essa bússola astrológica funciona e a traduziu em seu novo trabalho, o EP Meio de Céu. Ele sai menos de um ano depois de Água Pedra (Desmonta Discos, 2018), seu álbum de estreia solo e dos mais bacanas lançados recentemente. Ao contrário do que acontece na maioria de lançamentos assim, o EP não é um adendo, abrigando faixas que não couberam no chamado disco cheio. Meio do Céu foi todo gravado, mixado e masterizado entre julho e agosto de 2017, antes de Água Pedra ser lançado, e traz um lado ainda mais intimista do músico.

Guitarrista das bandas HAB (da qual também é produtor musical e principal compositor), Gata Pirâmide (com o baterista do Sonic Youth Steve Shelley), M.Takara 3 e M.Takara 3+1, Guilherme Valério expandiu o espectro de seu som no ingresso solo, imbuindo as canções de Água Pedra numa tradição musical africana transmudada por ele próprio.

Em Meio do Céu, Valério vai além, e seu repertório, que já era farto em símbolos, ganha uma contemplação quase espiritual. Sem o apoio da banda que gravou Água Pedra e o acompanha nos shows, Valério ficou a cargo de todos os instrumentos das quatros faixas do EP – todas gravadas no estúdio DSPro, junto com Djaimes Lanza.

“O Rio”, que abre o trabalho com uma guitarra emulando cordas africanas e um surdo como o centro da percussão, agradece a Oxumaré, orixá de todos os ciclos e do movimento constante. O curso segue com “Traqueia Pulsante”, que faz uma ponte com o clima de água pedra, cheia de imagens pulando em fervor tão vulcânico quanto lisérgico. É a única faixa do EP que traz um convidado: o baixista Marcos Gerez, do sexteto Hurtmold.

Em “Corrente”, um interlúdio instrumental feito na ponta dos dedos, Valério reafirma sua ligação bem pessoal com uma kalimba evocando os sons do velhíssimo continente. Em “Transmutação”, faixa que encerra o EP, a kalimba chega em loop e com efeitos, e dá à música um ritmo hipnótico, perfeito para uma letra hermética que exemplifica a tal transmutação. O ciclo se fecha, mas começa outra vez com o Meio do Céu convidando a ouvi-lo diversas e diversas vezes.

Valério, Meio do Céu
Desmonta Discos/Alavanca
Estreia – 8 de agosto de 2018, em todas as plataformas digitais

Gravado e mixado entre julho e agosto de 2017 no estúdio DSPro por Djaimes Lanza e Valério. Masterizado por Djaimes em junho de 2018.

Projeto gráfico por Nadezhda Rocha.

1. "O Rio": Valério (voz, surdo, guitarra, garrafa, baixo).
2. "Traqueia Pulsante": Valério (voz, surdo, guitarra); Marcos Gerez (baixo).
3. "Corrente": Valério (kalimba).
4. "Transmutação": Valério (voz, kalimba, surdo, guitarra).

Todas as músicas e letras por Valério.
Produzido por Valério.